• Tributário
04/dez/2018
Cordeiro
Superior Tribunal de Justiça decide que é crime não pagar imposto

A questão é controversa no Judiciário, mas o recente julgamento fortalece a tendência pela criminalização da simples inadimplência.

A apropriação indébita e a sonegação fiscal são os mais conhecidos crimes contra a ordem tributária. A apropriação indébita ocorre quando a fonte pagadora não repassa o valor do tributo que já foi retido de um terceiro, como por exemplo, no caso das retenções de imposto de renda e contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento.

A sonegação fiscal se caracteriza, em linhas gerais, pela conduta dolosa do contribuinte em não declarar seus tributos ou usar conscientemente artifícios para eliminar ou reduzir a carga tributária. Ou seja, sonegar informações e/ou obrigações fiscais, para se esquivar dos recolhimentos tributários.

Pois bem. Essas são as duas hipóteses claras e conhecidas de crimes contra a ordem tributária, que pressupõem a intenção do empresário em praticar tais atos – o chamado “dolo”.

Nesse sentido, historicamente o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) divergia quanto à caracterização, como crime, de situações envolvendo a mera inadimplência tributária do contribuinte. Ou seja, nos casos em que o contribuinte declara o tributo devido (em operações próprias), mas deixa de pagá-lo no seu vencimento – uma situação típica de mero inadimplemento –, ficaria configurada a prática criminosa? Essa é – ou era – a questão. Os Ministros da 5ª Turma do STJ já haviam, em determinadas situações, considerado tal prática como crime, diferentemente dos Ministros da 6ª turma, que sempre distinguiram as condutas da apropriação indébita e sonegação da mera inadimplência fiscal.

Por meio do Habeas Corpus nº 399.109, a 3ª Seção do STJ analisou um caso envolvendo o não-recolhimento do ICMS declarado e não pago originado em Santa Catarina, no qual prevaleceu o entendimento, por maioria, de que a inadimplência é crime. O precedente é absolutamente relevante – e perigoso –, pois a maioria do STJ foi formada em sentido prejudicial aos contribuintes com dívidas fiscais declaradas e não pagas.

O acórdão foi publicado na sexta-feira, dia 31 de agosto de 2018. Em resumo, o entendimento se deu pela lógica de que o imposto indireto (no caso concreto, o ICMS) é incluído no preço das mercadorias e/ou serviços e, logo, a inadimplência dos contribuintes se encaixa na prática de apropriação indébita, segundo a maioria dos ministros da 3ª Seção do STJ. Vale destacar que o caso envolve o não-recolhimento do ICMS, de modo que essa lógica só se aplica no caso dos tributos sobre o consumo de bens e serviços (ICMS, IPI e ISS, por exemplo), assim como já era aplicada no caso dos tributos diretos em que há responsabilidade do recolhimento por substituição (por exemplo: IRRF).

Segundo o Ministro relator: “o valor do tributo é cobrado do consumidor, por isso o não repasse pelo comerciante aos cofres públicos deve ser considerado apropriação”. E complementa: “A motivação, no entanto, não possui qualquer importância no campo da tipicidade, ou seja, é prescindível a existência do elemento subjetivo especial. (…) deixaram de recolher, no prazo legal, na qualidade de sujeito passivo de obrigação tributária, valor do tributo (ICMS) ‘cobrado’ do adquirente da cadeia de consumo e que deveria recolher aos cofres públicos. O fato é típico e, em princípio, não há causa excludentes da ilicitude, impondo-se ressaltar que o dolo de se apropriar há de ser reconhecido com base no substrato probatório obtido após a instrução criminal”.

Além de fundamentos doutrinários e sociológicos a respeito das implicações criminais, o Ministro Relator destacou a perda de arrecadação envolvendo os casos de sonegação tributária, para dar um respaldo econômico na construção do argumento pela criminalização da inadimplência.

A Ministra Maria Thereza de Assis Moura divergiu do relator, destacando que: “(…) o comerciante que vende mercadorias com ICMS embutido no preço e, posteriormente, deixa de recolher o tributo, não pratica apropriação indébita tributária por que o consumidor não é contribuinte do ICMS”. No final, o placar do julgamento foi 6 a 3, favorável à criminalização.

A decisão é bastante questionável e controversa, tanto do ponto de vista tributário como do criminal, pois os crimes contra a ordem tributária pressupõem dolo, ou seja, a intenção de não pagar, de sonegar e de lesar conscientemente o fisco. Tais situações são completamente distintas no caso da mera inadimplência fiscal, principalmente em um ambiente generalizado de crise econômica, que também acarreta na inadimplência dos próprios consumidores, ou seja, o necessário contexto e a motivação de cada caso concreto são relevantes e precisam de fato ser observados, em detrimento do entendimento da maioria dos Ministros de que o crime exige a conduta dolosa, consistente na consciência (ainda que potencial).

Com isso, corre-se o grande risco de o Fisco simplesmente expedir diversas representações fiscais para fins penais ao se deparar com dívidas de ICMS e ISS, por exemplo, buscando enquadrar os contribuintes no rol criminal e, com isso, obter mais um meio coercitivo para o pagamento do tributo. Caberá ao contribuinte se defender na esfera criminal também, com todos os agravantes que essa situação lhe impõe. Essa situação se assemelha a outros meios coercitivos já tentados pelos fiscos para forçar o pagamento dos tributos, reiteradamente proibidos pelo Supremo Tribunal Federal. Aliás, o mecanismo criminal sempre será o meio mais grave de coagir o contribuinte a recolher os tributos aos cofres públicos, dado que, no fim das contas, o que está em jogo é a própria liberdade do contribuinte.

Vale destacar as penas envolvidas, que são passíveis de aplicação em cada caso concreto: (i) para o crime de apropriação indébita é de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos de detenção e multa; (ii) para os casos de sonegação fiscal é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Esse precedente do STJ é absolutamente preocupante para todo o empresariado, fato que reitera o necessário planejamento e a eficaz gestão do passivo tributário, além do planejamento para eventuais consequências e/ou discussões de ordem criminal, principalmente quando o tributo cobrado é questionável.