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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no recente julgamento do Recurso Especial (“REsp”) nº 2.053.240/SP, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, decidiu, por unanimidade, que a comprovação da regularidade fiscal da empresa em recuperação judicial – com a consequente apresentação das Certidões Negativas de Débitos Fiscais (“CNDs”) – é requisito obrigatório para concessão da recuperação judicial, nos termos do quanto previsto no art. 57 da Lei de Recuperação de Empresas e Falência (“LREF”). O posicionamento foi reiterado por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 2.082.781/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
O julgamento destes Recursos representa um marco no sentido de mudança de entendimento do STJ quanto ao assunto, o qual dispensava a apresentação das CNDs para concessão da recuperação judicial, flexibilizando a aplicação do artigo 57 da LREF.
Conforme constou do acórdão do Recurso Especial nº 2.053.240/SP, o posicionamento anterior era justificado em razão da ponderação entre a regularização do passivo fiscal e o princípio da preservação da empresa, consagrado no art. 47 da LREF, considerando, como destacado pelo Ministro Relator em seu voto, que as possibilidades de parcelamentos fiscais à empresas em recuperação judicial, previstos no art. 10-A da Lei 10.522/2002, “não se mostraram suficientes a atender aos propósitos colimados pela lei, não sendo possível, inclusive, em atenção ao princípio da preservação da empresa, insculpido no art. 47 do mesmo diploma legal, impor à recuperanda a comprovação de sua regularidade fiscal como condição à concessão da recuperação judicial.”
Com o advento da Lei 14.112/2020, a qual promoveu ampla alteração na LREF, inclusive conferindo maior poder ao fisco no procedimento recuperacional (conforme alterações no artigo 10-A e a inclusão dos artigos 10-B e 10-C), , novamente instaurou-se o debate quanto à necessidade da regularização fiscal como requisito para concessão da recuperação judicial. Isto porque, em que pese a diversas mudanças na LREF, a redação
de seu art. 57 não foi alterada, mantendo-se obrigatória a apresentação das CNDs para fins de concessão da recuperação judicial.
Em todo modo, apesar de alguns Tribunais Regionais sinalizarem pela mudança no entendimento, passando a exigir as Certidões Negativas para fins de concessão da recuperação judicial, o STJ, em um primeiro momento, manteve o seu entendimento pela flexibilização da apresentação das CNDs, a exemplo do julgamento proferido no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial (“AgInt em ARESP”) nº 1.597.261/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi.
Porém, como já mencionado, com os julgamentos dos Recursos Especiais 2.053.240/SP e 2.082.781/SP, o STJ sinaliza pela mudança em seu entendimento acerca da comprovação da regularização do passivo fiscal para que a recuperação judicial tenha sua concessão deferida.
Apesar da mudança no posicionamento, algumas questões ainda poderão ser objeto de discussão perante o STJ.
Primeiramente, considerando que a Lei 10.522/2002 trata dos débitos federais, o STJ fez a ressalva que, quanto aos débitos de titularidade de entes municipais, estaduais e do Distrito Federal, a exigência de regularidade fiscal destes débitos, para fins de concessão da recuperação judicial, somente seria implementada com a edição de lei específica promovendo a instituição do programa de parcelamento das referidas dívidas tributárias (ainda que determinando a adesão ao quanto previsto na Lei 10.522/2002).
Além disso, com o posicionamento pela necessidade da apresentação das CNDs como condição à concessão da recuperação judicial, instaurou-se a controvérsia acerca dos efeitos e consequências, à empresa recuperanda e ao próprio processo recuperacional, na ausência da apresentação das CNDs, inclusive, quanto à possibilidade da decretação da falência da empresa que não comprovasse sua regularidade fiscal.
Nesse sentido, restou consignado que a falta não concessão de recuperação fiscal por falta de CNDs não pode resultar em decretação da falência, por ausência de previsão legal, visto que a hipótese de convolação em falência prevista no artigo 73, V, da LREF, pode ser aplicada apenas se a recuperação judicial já tiver sido concedida anteriormente.
Assim, o STJ adotou o posicionamento de que a falta de CNDs enseja apenas na suspensão do processo recuperacional até a apresentação das certidões, sem prejuízo de serem retomadas, de imediato, as execuções individuais e eventuais pedidos de falência promovidos em face da empresa recuperanda.
Portanto, os julgamentos dos Recursos Especiais nºs 2.053.240/SP e 2.082.781/SP marcam uma mudança no posicionamento do Superior Tribunal de Justiça quanto à necessidade da empresa recuperanda proceder com a regularização de seu passivo tributário para fins de concessão da recuperação judicial, consignando, entretanto, que alguns pontos ainda poderão ser objeto de novas controvérsias e ensejar novos pronunciamentos do STJ sobre o tema, especialmente em relação às ressalvas feitas pelo próprio Ministro Relator quanto aos débitos municipais e estaduais, e ainda, quanto aos efeitos do não cumprimento das exigências pela empresa em processo de recuperação judicial.
A equipe Cível do Cordeiro, Lima e Advogados está à disposição para maiores esclarecimentos.
Pedro Felipe Silva de Oliveira
Vítor Imakawa de Lucca
Luiz Antonio Silva Costa
Suen Ribeiro Chamat