- Direito Público Consultivo
Embora estejamos praticamente às vésperas da data de revogação da Lei nº 8.666/93, prevista no art. 193, inciso II, na Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações – NLL), as discussões sobre as regras de transição para a nova norma e a possibilidade de prorrogação do seu período de vacância ainda estão longe de serem cessadas.
Sem considerar um possível adiamento – de última hora – da revogação da Lei nº 8.666/93, o Tribunal de Contas da União firmou, na última quarta-feira (22.03.2023), o seu entendimento acerca do prazo para publicação de instrumentos convocatórios baseados na antiga lei de licitações: a Administração Pública poderia publicar, até 31 de dezembro de 2023, o editais de licitação cujos preparos (estudos e projetos) tenham se iniciado antes do dia 1º de abril de 2023.
Como é cediço, a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21 – NLL) propôs o prazo de vacância opcional de dois anos, deixando a critério da Administração Pública a adoção de uma lei ou de outra nos procedimentos licitatórios até o dia 31.03.2023 (art. 191), sendo que, após superado o prazo, a Lei nº 8.666/93 seria definitivamente revogada.
O texto normativo não foi claro, no entanto, quanto às regras de transição, como o prazo para publicação de editais de licitação cujos estudos e projeto tenham sido elaborados com base na antiga lei – e ainda na sua vigência – o que ensejou grandes discussões.
A polêmica entorno da questão teve início após a emissão do Comunicado nº 10/2022, pela Secretaria de Gestão (“SEGES”), órgão do Sistema de Serviços Gerais, que indicava o sistema de compras do governo federal recepcionaria apenas licitações e contratações à luz da Nova Lei de Licitações a partir de 31.03.2023.
Contraponto o entendimento da SEGES, o Parecer 6/2022, emitido pela Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos da Advocacia-Geral da União, analisou a controvérsia existente a partir da interpretação da expressão “optar por licitar” encontrada no art. 191 da NLL.
Para a AGU, o termo “licitar” não se refere à publicação do edital propriamente dita, mas à fase interna na licitação, ou seja, ao processo de formulação do instrumento convocatório. Nesse sentido, editais formulados com base na antiga lei poderiam ser publicados após sua revogação, desde que a sua formulação/preparação fosse iniciada antes de 31.03.2023.
A necessidade de um posicionamento definitivo sobre o tema foi ganhando urgência nos últimos meses dada a possibilidade de inúmeros projetos e estudos em andamento, tornarem-se inutilizáveis se concluídos após o período de vacância da nova norma, que se aproxima.
Assim, o Ministro do TCU, Antônio Anastasia, propôs que a discussão sobre o assunto fosse levada ao Plenário do Tribunal para uma decisão definitiva após a análise de compatibilidade, pela Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex), das teses firmadas pela jurisprudência da Corte com o parecer da Advocacia-Geral da União, já mencionado.
Na análise feita, a Segecex concordou com a interpretação feita pela AGU em relação ao art. 191 da Nova Lei de Licitações, mas suscitou outra questão importante: a definição de um marco limite, ainda na fase interna/preparatória, para o exercício da opção de licitar pelo regime antigo. Para a Segecex, o momento ideal para a escolha do regime legal a ser utilizado na licitação seria antes ou até a elaboração do termo de referência.
Não obstante, a Segecex também destacou que a definição do termo de referência como marco não satisfaz por completo a necessidade de limitação temporal para a transição das normas, pois, tal como alertou o Ministro Antônio Anastasia, os órgãos da Administração Pública poderiam refazer sucessivas vezes o termo de referência com o intuito de prolongar a duração da fase interna do certame por meses até a publicação do edital. Nesse sentido, também foi sugerida a definição de um prazo limite para a publicação de editais sob a égide da Antiga Lei de Licitações.
O raciocínio lógico-interpretativo da Segecex foi integralmente acompanhado pelo Relator, Ministro João Augusto Ribeiro Nardes, que estabeleceu 31.12.2023 como a data limite para a publicação de editais de licitação formulados à luz da Lei nº 8.666/93.
Oportuno lembrar que essa decisão se aplica, em regra, apenas às contratações públicas que ocorrem no âmbito federal. Assim, apesar de os estados, municípios e outros Tribunais de Contas poderem definir regras de transição diversas, a ponderação dos riscos decorrentes da incompatibilidade entre elas tende a estimular à adoção do mesmo entendimento do TCU, resultando na uniformização do tema.
Muito embora a questão pudesse ter sido considerada praticamente superada após o posicionamento do TCU – não obstante a morosa tramitação do Projeto de Lei nº 934-2023 que visava prorrogar a aplicabilidade da Lei nº 8.666/93 – novas mudanças ocorreram no dia de hoje.
Conforme anunciado na parte da manhã pelo atual Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, durante o seu discurso na 24ª Marcha dos Prefeitos, a vigência da antiga lei de licitações será prorrogada por meio de uma “portaria” a ser publicada nas próximas horas. Segundo ele, a portaria terá como escopo adiar a revogação da Lei nº 8.666/93 para março/2024.
Apesar da inadequação jurídica do instrumento normativo, já que uma portaria não se presta a fazer alterações em relação aos prazos definidos em lei ordinária, a fala do parlamentar traz insegurança na definição do advento do termo da Lei nº 8.666/1993 e, consequentemente, nas contratações públicas em desenvolvimento.
Assim, apesar da recente definição do TCU quanto aos prazos e regras de aplicabilidade da antiga lei, só será possível mensurar impactos e readequar prazos e expectativas de transição entre as normas após a concretização da noticiada portaria.
As tentativas de prorrogação podem ser vistas como reflexo da insegurança dos gestores públicos em relação à aplicação da nova lei que, por ser dotada inovação, implica desafios.
A equipe de Direito Público Consultivo do Cordeiro, Lima e Advogados se coloca à disposição dos clientes e eventuais interessados para auxiliar na compreensão e nas discussões afetas à Nova Lei de Licitações.
Beatriz Ferreira de Jesus – beatriz.ferreira@cordeirolima.com.br
Mariana de Melo Sanches – mariana.sanches@cordeirolima.com.br
Caio Figueiroa – caio@cordeirolima.com.br