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30/jun/2020
Cordeiro
A Recuperação Judicial e a Pandemia

Artigo Introdução

Os potenciais efeitos negativos da pandemia do novo coronavirus na economia foram há muito preconizados, e, hoje, já se fazem sentir na realidade de um sem números de empresas Brasil afora.

Dentre as áreas do direito, a das recuperações judiciais é, sem sombra de dúvidas, uma das que mais intensamente sentiram e sentirão os efeitos decorrentes dessa crise econômica.

Em primeiro lugar porque, à medida em que os protocolos de isolamento social se dilatam no tempo, mais e mais empresas se veem em situação de esgotamento de caixa e impossibilidade de pagamento de credores, obrigando-as a recorrer à recuperação judicial como meio de manutenção de suas atividades.

Segundo estimativas apresentadas pelo Estadão, somente o mês de agosto deverá registrar cerca de 400 novos pedidos de recuperação judicial, seguidos por uma média de 150 novos pedidos nos três meses subsequentes[1]. Com isso, o Brasil deverá registrar, ao todo, a maior quantidade de empresas entrando em recuperação judicial desde 2016.

De outro lado, a crise do coronavirus também mostra seus efeitos de maneira bastante acentuada em se tratando dos processos de recuperação judicial já em trâmite. Da ótica das empresas recuperandas, os abalos na economia podem implicar em dificuldades no cumprimento dos planos de recuperação aprovados pelos credores; esses segundos, por seu turno, podem se ver em situação de maior dificuldade na recuperação de seus créditos, justamente pela diminuição na capacidade econômica das devedoras.

Evidentemente, tal situação demanda que o poder público ofereça aos jurisdicionados algum tipo de resposta, que surgiu, em primeiro lugar, na forma de uma Resolução do Conselho Nacional de Justiça.

Visando a amenizar os problemas relativos aos processos de recuperação judicial em trâmite, o CNJ editou, já em 31/03/2020, a sua Resolução n° 63, que contém uma série de recomendações aos magistrados para o manejo desses processos em meio à crise sanitária e econômica. Resumidamente, as principais orientações do CNJ foram:

  • Que os magistrados agilizem a apreciação de pedidos de levantamentos de valores, tanto em favor da empresa quanto dos credores;
  • Que os magistrados suspendam a realização presencial das Assembleias Gerais de Credores, facultando a designação online deste ato nas hipóteses de urgência;
  • Que os magistrados prorroguem o prazo do stay period previsto no art. 6º da Lei 11.101/2005, nos casos em que houver necessidade de adiamento da Assembleia Geral de Credores;
  • Que os magistrados autorizem às empresas que estejam em fase de cumprimento do plano de recuperação que apresentem plano modificativo a ser novamente aprovado pelos credores, desde que provem diminuição na sua capacidade de cumprimento das obrigações e desde que estivessem adimplindo com o plano aprovado até então;
  • Que os institutos da força maior e do caso fortuito sejam aplicados quando da análise do descumprimento de obrigações por conta da pandemia;
  • Que a fiscalização por parte dos administradores judiciais permaneça ocorrendo em meio à pandemia, ainda que por via remota.

Evidentemente, em se tratando essas diretrizes de meras recomendações, sem qualquer força normativa, cabe aos juízes de todo Brasil optarem pela aplicação ou não do quanto ficou disposto na Resolução n° 63 do CNJ. E, ao menos em se tratando do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o alinhamento a essas orientações tem se mostrado bastante frágil.

Vale destacar, aqui, que, no julgamento do agravo de instrumento n° 2089216-40.2020.8.26.0000[2], cujo acórdão foi publicado no último dia 17, a 1ª Câmara de Direito Empresarial do TJ-SP consignou entender expressamente que as orientações do CNJ seriam inconstitucionais, pois somente os juízes togados teriam a competência de, analisando os casos concretos, optar pela aplicação de institutos como a força maior e o caso fortuito.

Na mesma toada, no julgamento do agravo de instrumento n° 2076987-48.2020.8.26.0000, consagrou-se a soberania da Assembleia Geral de Credores, considerando-se descabida a imposição de suspensão, pelo juízo, dos pagamentos a que empresa estava vinculada durante 90 dias, uma vez que caberia aos credores aceitar ou não prorrogação nos pagamentos dessa espécie. Com isso, mais uma vez, fica evidente que as Câmaras de Direito Empresarial do Tribunal paulista permanecem aplicando com bastante cautela qualquer tipo de norma ou recomendação que possa implicar em interferência excessiva do juízo nos casos de recuperação judicial.

De outro lado, em outros casos, o TJ-SP demonstrou maior sensibilidade na aplicação das normas levando em conta a situação de crescente descalabro econômico advinda da pandemia. No julgamento no agravo de instrumento n° 1005788-14.2018.8.26.0077, por exemplo, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial autorizou que a empresa recuperanda firmasse negócios de fomento agrícola com “partes relacionadas” nas mesmas condições negociadas com os seus credores, o que seria vedado pelo plano de recuperação judicial, entendendo que restrição dessa natureza seria incompatível com a recuperação da empresa. Entretanto, aqui, um dos principais fundamentos da decisão foi o cancelamento, em virtude da pandemia, das Assembleias Gerais de Credores agendadas para discussão da questão, o que viabilizaria o tratamento da crise sanitária como caso fortuito na hipótese.

Em conclusão, o que se vê é que, ao menos no caso do Estado de São Paulo, a análise das consequências da pandemia sobre os casos de recuperação judicial tem se dado de forma bastante casuística e, por vezes, conflitante com o quanto foi proposto pelo CNJ. Situação dessa espécie pode, naturalmente, gerar quadro de insegurança jurídica e demanda cautela tanto das empresas recuperandas quanto dos credores no manejo de pedidos direcionados aos magistrados que se valham da pandemia como principal substrato fático.

Por fim, vale chamar atenção para o Projeto de Lei n° 1397/2020[3], apresentado pelo Deputado Federal Hugo Leal e atualmente aguardando a apreciação do Senado, cujo escopo é, dentre outras medidas, alterar dispositivos da Lei n° 11.101/2005 de modo a melhor acomodá-la à situação de crise econômica vivenciada por inúmeras empresas.

Na versão final do projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, destacam-se os dispositivos que determinam a suspensão pelo prazo de 120 dias das obrigações previstas no plano de recuperação e autorizam a apresentação de novo plano de recuperação pela empresa recuperanda, independentemente de já ter sido votado ou não plano anterior.

Se aprovado, além de trazer maior alívio às empresas em recuperação que vinham encontrando dificuldades em meio à crise econômica, o PL n° 1397/2020 resolveria, em grande medida, os problemas de insegurança jurídica sobre os quais já se tratou, uniformizando, graças a seu caráter normativo e vinculativo, o manejo das recuperações judiciais pelos magistrados.

[1] Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pedidos-de-recuperacao-judicial-terao-salto-em-meio-ao-coronavirus,70003309656 (acesso em 29/06/2020)

[2] Vide processo n° 2089216-40.2020.8.26.0000 na consulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do (acesso em 29/06/2020).

[3] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2242664 (acesso em 29/06/2020)

Diante de tantas inseguranças decorrentes da pandemia, a equipe do Cordeiro, Lima e Advogados se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos que se façam necessários.