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26/jul/2018
Cordeiro
Alocação de riscos trabalhistas em modelagem de concessões

MARCOS MARTINS

O primeiro momento em que surgiu de forma expressa em um dispositivo legal o dever de repartição de riscos em contratos administrativos, foi quando da edição do art. 5°, III da Lei n° 11.079/04[i]. Antes da Lei de PPPs, a Lei Geral de Concessões já estabelecia, em seu art. 23, V, ser cláusula essencial dos contratos de concessão e permissão aquela que estabelecesse “os direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações”.

A divisão de riscos em qualquer contrato de concessão, mais do que uma exigência legal, é um fato, sendo muito mais exato dizer que o que se discute, na modelagem de concessões, não é a exigência de divisão de riscos, por si só, mas principalmente como realizar a divisão ótima de riscos, calcada na ideia de que os riscos devem ser alocados, em regra, para a parte com melhores condições para gerenciá-lo.

Antes de falarmos sobre a alocação dos riscos, em especial na esfera trabalhista, é importante conceituar o que vem a ser esse “risco”: (i) situação onde não existe conhecimento do resultado final; (ii) variação de um possível resultado que existe na natureza de uma determinada situação; (iii) alta probabilidade de insucesso; (iv) falta de previsibilidade sobre a estrutura, resultado ou consequências de uma decisão ou planejamento; e (v) o impacto de algo que está em curso sobre os objetivos e metas estabelecidas, medido em termos de consequências ou probabilidade[ii].

As fontes do risco são aqueles fatores que podem influenciar a rentabilidade de determinado projeto de infraestrutura. Em projetos complexos, como são as concessões e PPPs, é salutar que se determine como estes fatores serão distribuídos durante toda a vigência do contrato.

A alocação correta dos riscos do empreendimento é fundamental para o sucesso da empreitada, uma vez que a distribuição desses fatores pode permitir que o negócio se torne mais ou menos eficiente, tanto do ponto de vista da economicidade quanto da qualidade do serviço oferecido aos usuários.

Em especial, as concessões (comuns ou por meio de PPPs) envolvem, normalmente, a necessidade da somatória de esforços de diversos parceiros para a consecução do objeto licitado. Assim, é comum que essa comunhão de expertises exija, do mesmo modo, a correta alocação dos riscos (contratuais e extracontratuais) entre os parceiros. Essa realidade é ainda mais evidente em relação aos riscos trabalhistas, tendo em vista que a abordagem da Justiça do Trabalho quanto à responsabilidade pelos passivos trabalhistas não é exatamente amigável ao empreendedor.

Como exemplo, podemos citar o tratamento que a Justiça do Trabalho tem dado aos consórcios, instrumento contratual largamente usado em processos de concessão comum.

O § 1º do artigo 278 da Lei 6.404/76 é claro ao dispor que o consórcio não possui personalidade jurídica e as empresas que o compõe respondem cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

Com a leitura pura e simples daquele dispositivo legal, a conclusão lógica é que o consórcio, justamente por não possuir personalidade jurídica, não responde por eventual condenação trabalhista de seus consorciados, bem como as consorciadas não respondem por débitos umas das outras, ainda mais quando as contratações trabalhistas ocorrem individualmente pelos consorciados, em suas respectivas parcelas da operação. Esse, inclusive, é o modelo mais comum em concessões públicas de transporte coletivo operadas por consórcios.

No entanto, a Justiça do Trabalho tem interpretado a responsabilidade dos consórcios de uma maneira bem mais ampla, entendendo que o consórcio configura um grupo econômico, para efeitos trabalhistas, por coordenação. Nesse sentido, vide recentes julgados do TST (AIRR – 2519-55.2014.5.02.0040 e RR – 1000509-69.2014.5.02.0606), que reforçam a ideia equivocada de que o consórcio responde solidariamente pelos passivos trabalhistas gerados no âmbito da concessão.

Esse tipo de interpretação, que em nada colabora com um melhor ambiente de negócios no país, deve ser encarado com pragmatismo, cabendo aos consorciados adotar as medidas contratuais mais adequadas à correta alocação do risco que cada um traz para o consórcio.

É uma prática bastante interessante constituir-se um “fundo” consorcial (espécie de escrow account), por onde as receitas do consórcio transitarão antes de serem distribuídas ou compartilhadas entre os consorciados. Parcela da receita do consórcio deverá ser retida, pela aplicação de uma métrica dos riscos avaliados pelas partes. Esse fundo funcionará como uma “conta garantida”: à medida em que os riscos sejam reduzidos (ou objetivamente assumidos pelo consorciado), parcelas dos valores retidos são liberadas. Se os riscos aumentam, uma parcela maior é retida.

Riscos trabalhistas decorrem do passivo trabalhista das empresas, que é a soma das dívidas que são geradas quando um empregador não cumpre suas obrigações trabalhistas ou não realiza o recolhimento correto dos encargos sociais.

É o conjunto das cobranças realizadas em caso de reclamações trabalhistas, fiscalizações do INSS, do Ministério do Trabalho e Emprego ou do Ministério Público do Trabalho.

Estudos demonstram que a quantidade de ações trabalhistas “aceitável” é de 10% do número total de empregados. Acima deste percentual pode-se considerar um alerta para a empresa.

Com a recém-publicada Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a tendência é que o número de ações trabalhistas diminua gradativamente. Somente no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo – 2ª Região –, que é o maior do país, de dezembro do ano passado a maio deste ano, a redução no número de ações distribuídas passa de 40% (quarenta por cento) em relação ao mesmo período no ano passado.

Esta diminuição decorre, principalmente, da inclusão de dois novos dispositivos legais na CLT: Os parágrafos 3º e 4º do artigo 790, que criaram maiores dificuldades à concessão da justiça gratuita e o artigo 791-A, que traz os honorários de sucumbência para o campo do direito do trabalho.

A nova legislação trabalhista afasta de vez os processos envolvendo alegações infundadas e os pedidos de valores exorbitantes, que tanto assolavam o Judiciário.

Desde a publicação da Lei 13.467/2017, as chamadas “ações aventureiras”, aquelas em que o trabalhador infla o total de seus pedidos a fim de obter um acordo mais vantajoso, simplesmente deixaram de existir.

Por exemplo, um trabalhador que entra com um pedido de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais e, ao final, lhe é atribuído uma indenização de R$ 10.000,00 (dez mil reais), ainda que parcialmente vencedor de sua ação, pode ser condenado a pagar até 15% sobre a diferença entre o que pediu e o que ganhou. Neste caso o valor de honorários de sucumbência pode chegar a R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) ou seja, 15% sobre R$ 90.000,00 (noventa mil reais).

Ainda que a tendência seja a diminuição no número de ações trabalhistas, é fato que o passivo enfrentado pelas empresas é uma preocupação que demanda cuidados e pode, até, inviabilizar o negócio.

Sugere-se, portanto, algumas práticas visando à diminuição do passivo trabalhista:

  1. Apostar na orientação jurídica preventiva: É importante que o RH e o departamento jurídico trabalhem em parceria para que o RH aja de acordo com a lei;
  • Investir em um bom controle de ponto: A grande maioria das ações trabalhistas diz respeito ao pagamento de horas extras. Assim, com um controle confiável, a comprovação de cumprimento do horário e pagamento das horas extras efetuadas diminui o risco de pagamento em sede judicial;
  • Arquivamento dos documentos: a empresa deve se certificar para que todos os documentos e recibos estejam preenchidos corretamente, assinados e guardados com segurança. Muitas empresas não encontram os comprovantes necessários no momento da ação trabalhista;
  • Celebrar acordos coletivos: É importante fazer acordos coletivos com os Sindicatos dos empregados a fim de conseguir mais segurança jurídica em diversos temas do contrato de trabalho. Com a Reforma Trabalhista, abriu-se a oportunidade de uma gama maior de temas que podem ser discutidos através de acordos coletivos.

Como se vê, a melhor maneira de evitar riscos trabalhistas ainda é a prevenção, por mais que a reforma trabalhista tenha vindo munir os empregadores de instrumentos mais eficientes para equilibrar essa balança.

Marcos Martins é sócio do Cordeiro, Lima e Advogados, especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Mackenzie e em Direito Empresarial do Trabalho pela FGV, além de palestrante sobre a Reforma Trabalhista em diversas instituições.


[i] Art. 5o As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever:

(…)

III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;

[ii] PADIYAR, Vaijayanti; SHANKAR, Tarun; VARMA, Abhishek. Risk management in PPP. IL & FS InfraestructureDevelopment Corporation LTD.