• Direito Público Consultivo
28/out/2024
Cordeiro
ECO 101: Solução Consensual, Processo Competitivo e Novas Perspectivas para os Setores de Infraestrutura no Brasil

Em meio ao aquecido debate sobre a consensualidade administrativa, que, até pouco tempo atrás, permanecia focado no instituto da relicitação (Lei Federal nº 13.448/2017), sobreveio, ao final de setembro deste ano, a decisão do Tribunal de Contas da União nos autos do Processo TC 033.444/2023-4, que inaugura as bases práticas para a renegociação dos contratos de concessão, então definidas no Acórdão 1.593/2023.

Trata-se da proposta de solução consensual, cujo objetivo foi promover a repactuação e a otimização do contrato de concessão da Rodovia BR 101, no estado do Espírito Santo (“Contrato de Concessão” ou “Contrato”).

Frente à inviabilidade econômico-financeira do Contrato e aos entraves práticos para o aporte de investimentos alocados à Concessionária ECO 101, a Agência Nacional de Transportes Terrestres e a Concessionária tinham, originalmente, a intenção de relicitar o objeto da contratação. No entanto, após a publicação da Portaria 848/2023 pelo Ministério dos Transportes, as partes levaram à proposta de repactuação do Contrato, por meio de solução consensual no âmbito do TCU.

Para tanto, foi formada a Comissão de Solução Consensual, composta pelo Ministério dos Transportes, pela ANTT, pela Concessionária ECO 101, pela Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Rodoviária e de Aviação Civil do TCU – AudRodoviaAviação e pela Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos – SeCEx Consenso, também do TCU.

Embora a Comissão tenha consignado que a solução alcançada tem caráter excepcional – isto é, se restringe ao caso concreto da BR 101, não sendo passível de replicação para outras contratações a priori –, fato é que as discussões mantidas entre seus membros trouxeram novas perspectivas sobre a mutabilidade dos contratos de concessão e a aplicabilidade de dispositivos legais diante de seus efeitos práticos.

Nesse sentido, a Comissão sopesou o fato de que a relicitação do Contrato de Concessão implicaria, pelo menos, mais 4 (quatro) anos sem investimentos na Rodovia – sendo possível, ainda, que se tivesse um leilão esvaziado e a judicialização das discussões mantidas no Processo TC 033.444/2023-4, em prejuízo do Erário.

Dessa forma, entendeu-se pelo aproveitamento do contrato em vigor, por meio de negociação legítima entre os interessados – ou seja, os membros da Comissão –, que permitiu a adequação da matriz de riscos, a inclusão de disposições contratuais sobre a avaliação de desempenho da Concessionária, metas objetivas e a instituição de punições mais eficazes em caso de seu descumprimento.

Considerada a desistência do processo de relicitação e o avanço em relação à proposta de investimentos para otimização do Contrato, o Processo TC 033.444/2023-4 culminou na definição de estrutura contratual voltada à viabilização imediata de investimentos no trecho concedido da Rodovia. Tais investimentos incluem novos aportes no valor de R$ 7,07 bilhões, a duplicação de 221 km de rodovia e a execução de dois contornos menores e um contorno rodoviário maior, entre outras obras destinadas ao melhor atendimento à população.

No entanto, os ajustes ao Contrato também implicaram a supressão de investimentos anteriormente previstos, com o objetivo de adequar as previsões contratuais às atuais finalidades da concessão. Nesse trilhar, foi realizada ampla revisão contratual, fixando-se nova tarifa de pedágio, novos valores para as projeções de despesa de capital (CAPEX) e de operação (OPEX) da concessão, nova curva de tráfego, novo cronograma de atividades e aportes e novo prazo de vigência contratual, prorrogando-se aquele previsto de origem.

Como forma de mitigar os riscos de questionamento moral e sistêmico das medidas tomadas no bojo do Processo TC 033.444/2023-4, a Comissão determinou que a execução do Contrato de Concessão será submetida a processo competitivo privado, a ser supervisionado pela ANTT. No âmbito do referido processo, a assunção do Contrato remodelado será ofertada ao mercado, sendo que os interessados deverão apresentar suas propostas para a aquisição da maioria das ações com direito a voto da Concessionária ECO 101, portanto, restrita à compra de controle da SPE.

Assim, serão asseguradas a regular continuidade da prestação dos serviços concedidos e os vínculos empregatícios existentes com a Concessionária, sem que eventuais interessados fiquem impedidos de assumir a execução da concessão, substancialmente reestruturada. Para tanto, será necessário assumir o controle da SPE, no bojo do processo competitivo que será regido pelo direito privado, a partir das premissas definidas pelo Acórdão do TCU.

Segundo a Comissão de Solução Consensual, o processo competitivo “tende a ser mais ágil do que uma licitação pública, pois dispensará os prazos necessários para a formalização de um novo contrato, para a integralização de capital, mobilização, dentre outras atividades, possibilitando assim o atendimento ao objetivo de política pública de antecipação de investimento em relação à opção de realização de uma relicitação tradicional”. A estimativa da Comissão é de que o processo seja concluído no prazo máximo de 6 (seis) meses.

Entre as diretrizes impostas ao processo competitivo, tem-se a obrigatoriedade de realização de leilão na B3, a imposição de requisitos de qualificação técnica, fiscal, jurídica e financeira aos interessados e a utilização do critério de menor tarifa, assim como o respeito às regras típicas de processos de M&A.

Para além dos efeitos práticos gerados no caso concreto, que está sendo tratado como verdadeiro sandbox regulatório, o resultado do Processo TC 033.444/2023-4 evidencia a urgência da modernização das condições de aplicação do Direito Administrativo, para a criação de “um ambiente regulatório mais eficiente e responsivo, crucial para atrair investimentos privados e impulsionar o crescimento econômico nacional”, como exposto pela própria Comissão.

Embora o processo sob análise diga respeito a um contrato de concessão específico, seu deslinde amplia o diálogo sobre uma necessidade comum e crescente entre a esmagadora maioria dos setores brasileiros de infraestrutura – qual seja: a conciliação da aplicação de normas com a realidade da prestação dos serviços concedidos, tendo como prioridade o adequado oferecimento desses à população, sem que se ignorem as condições do mercado.

Trata-se de uma necessidade que se alinha, por exemplo, ao que dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB e ao Decreto Federal nº 9.830/2019, que regulamenta o artigo 20 daquela lei.

Desse modo, a obtenção de solução consensual, acompanhada de processo competitivo, nos moldes definidos no Processo TC 033.444/2023-4, pode vir a servir de novo paradigma para o universo das concessões, como alternativa vantajosa à relicitação. Afinal, por meio das medidas definidas para a concessão da ECO 101, será possível, ao menos a princípio, suprir o déficit na infraestrutura rodoviária capixaba com agilidade, aprimorar as condições de prestação dos serviços concedidos e retomar certo nível de desenvolvimento econômico no Estado, produzindo reflexos, inclusive, na atual crise fiscal.

Caio Figueiroa
Luiza Nunes
Jéssica de Lima