• LGPD
23/nov/2020
Cordeiro
Herança Digital

Artigo Cível – Direito Digital

A internet não só encurtou as distâncias como também modificou as relações pessoais – compartilhar sentimentos pode ser suprido no intervalo de um like. O acesso ilimitado a informação, a rapidez com que se espalham as notícias e os buscadores que eternizam as matérias possibilitaram a existência de novas discussões para o Direito Privado. Dessa forma, emergiu um novo debate para o Direito das Famílias e das Sucessões: Afinal, o que deverá acontecer com as redes sociais de uma pessoa após o seu falecimento?

A discussão ganha cada vez mais relevância por conta da ausência normativa sobre o tema. Diante disso, algumas redes sociais tomaram a dianteira e oferecem, desde já, opções aos usuários sobre o que ele deseja que aconteça com suas informações disponíveis da web após a sua morte, a chamada herança digital.

Nesses casos, o que se privilegia é a autonomia da vontade do indivíduo, que em vida, deverá externar qual o seu desejo com relação a seu acervo digital post mortem. Trata-se de um testamento digital informal, em que o indivíduo poderá indicar um herdeiro para seus perfis e mencionar se deseja que suas contas sejam encerradas após o óbito, ou transformadas em memorial.

O Facebook[1], por exemplo, oferece as duas opções mencionadas, enquanto o Instagram[2] possui bem determinado o que acontece com a transformação da conta em memorial. Por sua vez, o Google permite que o usuário escolha até dez pessoas que receberão um aviso, após um período de inatividade da conta. No mesmo campo em que se indica um ou mais sucessores, a pessoa escolherá se quer que sua conta seja encerrada. Assim, o “herdeiro” agirá conforme a vontade do testador. Já o Twitter[3] autoriza que os familiares próximos ou pessoas autorizadas solicitem a exclusão do perfil em um procedimento que tramita perante a própria empresa.

Porém o que acontecerá com o acervo digital caso o falecido não tenha indicado em vida a sua vontade? Sobre esse assunto, tramitaram alguns projetos de lei, no momento arquivados[4], que atribuíam o destino da herança virtual aos herdeiros do falecido.

Entretanto, alguns especialistas, como Bruno Zampier e Sérgio Branco, diante do acesso irrestrito aos dados, alegam que poderia haver a violação a alguns direitos do falecido, como direito ao sigilo, que abarca o conteúdo das correspondências e das comunicações.[5]

Atualmente, sobre o tema, tramitam o PL 5820/2019[6] e o PL 6468/2019[7]. O primeiro permite uma espécie de codicilo, em que o indivíduo indica o que deseja que aconteça com suas redes sociais. Já o segundo, prevê acesso irrestrito as contas, o que conforme dito acima, poderá violar alguns direitos. Destaca-se também a tramitação o PL nº 3050/20[8] que visa alterar o artigo 1.788 do Código Civil.

Como se vê e considerando a complexidade da discussão, a presente análise não pretende, de forma alguma, esgotar o debate, extremamente importante diante das alterações que a internet causou nas relações sociais, bem como da lacuna legal no direito pátrio.

As redes sociais já ultrapassaram, há muito, de serem meras ferramentas de contato. Estão armazenadas fotos, vídeos, áudios e a memória coletiva compartilhada – o que as transforma em patrimônio valioso. É necessário quebrar o tabu de discussão sobre morte e pensar na eternidade proporcionada pelo conteúdo digital.

Na dúvida, e diante de um arcabouço legal que não regulamente o tema, o melhor a fazer é deixar explícito em um testamento público, o que deverá ser feito com as redes sociais, com lastro na autonomia da vontade. Inclusive os tabelionatos da cidade de São Paulo e região[9], diante desta lacuna, já oferecem este serviço descomplicando assim os efeitos post mortem.


[1]O que acontecerá com minha conta do Facebook se eu falecer?. Disponível em <https://www.facebook.com/help/103897939701143/>. Acesso em 19 de novembro de 2020.

[2] Como faço para denunciar a conta de uma pessoa falecida no Instagram?. Disponível em <https://help.instagram.com/264154560391256>. Acesso em 19 de novembro de 2020.

[3] Dúvidas sobre a política de Privacidade do Twitter. Disponível em <https://help.twitter.com/forms/privacy>. Acesso em 19 de novembro de 2020.

[4] PL 4847/2012, apensado ao PL 4099/2012 ; PL 1331/2015; PL 7742/2017, apensado ao 8562 de 2017.

[5] LEAL, Livia Teixeira, A internet e a morte do usuário. Propostas para o tratamento jurídico post mortem do conteúdo inserido na rede. 2ª Ed, GZ Editora, Rio de Janeiro, 2020, p. 70/71.

[6] PL 5820/2019. Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2228037>. Acesso em 19 de novembro de 2020.

[7] Projeto de Lei n° 6468, de 2019. Disponível em <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/140239>. Acesso em 19 de novembro de 2020.

[8] PL 3050/2020. Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2254247>. Acesso em 19 de novembro de 2020.

[9] Herança digital pode ser declarada em testamento. Disponível em <https://www.tabeliaodebarueri.com.br/heranca-digital-pode-ser-declarada-em-testamento/>. Acesso em 19 de novembro de 2020.