• Cível e Consumidor
08/dez/2023
Cordeiro
O que diz a decisão do STF acerca da responsabilização de jornal por fala de entrevistado e impactos no âmbito digital?

Há poucos dias, as manchetes foram tomadas pela divulgação da decisão do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.075.412 – Tema 995 pelo Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello (já aposentado), a qual discorre sobre a “responsabilidade de jornal pela publicação de entrevista em que o entrevistado acusa uma pessoa de crime quando já se sabia da sua inocência”.

Analisando exclusivamente o ponto de vista jurídico da decisão, tem-se que muito embora ela tenha sido divulgada por determinados meios em caráter alarmante, tem-se que a decisão deve ser recebida com atenção, devendo, pois, ser estudado o contexto decisório.

O Supremo Tribunal Federal disponibilizou, por meio da publicação de arquivo “Informação à Sociedade” em seu site oficial, um breve relato sobre os fatos do caso, questões jurídicas envolvidas, fundamentos da decisão, entre outros. Destaca-se aqui o texto relativo aos fatos do caso e a questão jurídica envolvida, a qual tratava de uma acusação de cometimento de atentado por um ativista político feita por um entrevistado alinhado à ditadura militar.

Ao que consta no documento disponibilizado na consulta pública do processo, bem como na certidão de julgamento nos próprios autos do Recurso Extraordinário, a decisão indica que “na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.”

Desse trecho pode-se inferir, portanto, que o grande risco a ser evocado é justamente a definição de “indícios concretos da falsidade” x “cuidado na verificação da veracidade dos fatos”, acompanhado da análise do binômio “liberdade com responsabilidade”.

Respeitadas as opiniões em contrário, em verdade o STF, até o presente momento, amplia o entendimento jurisprudencial já consolidado sobre condenação dos canais jornalísticos pelos seus próprios programas ao entrevistado e que se baseia, indiscutivelmente, na análise do caso concreto, sendo que, em sequência, o presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, se manifestou na abertura da sessão no dia 30 de novembro de 2023.

Os argumentos de juristas e jornalistas que se posicionaram de maneira contrária à decisão se resumem a ausência de certeza tanto dos padrões classificatórios indicados no julgamento e em subjetividade de julgamento do caso concreto no judiciário.

As críticas são válidas e se sustentam ante à realidade observada no judiciário e, em certo ponto, a situação é corriqueira de um trâmite processual comum. É dizer, a empresa jornalística possui seu direito constitucional à ampla defesa e contraditório, onde terá a oportunidade de declinar nos autos do processo todos os fatores que a levaram para a exibição da reportagem naqueles moldes.

Apesar disso, é importante lembrar que cabe à parte demandante a correta formação do processo, juntando na inicial os documentos destinados a provar suas alegações, bem como à essa recai o ônus da prova sobre o fato constitutivo do direito pleiteado.

Desta forma, entendemos que a discussão deve se voltar ao ônus da prova de demonstração da violação dos requisitos indicados e à extensão da mídia aplicada – visto que no caso aqui discutido, a publicação ocorreu em um jornal físico, bem como se o conceito de empresa jornalística será ampliado para podcasts ou videocasts ao vivo e/ou gravados, lives diretamente em redes sociais etc., sendo ainda reconhecida a definição apresentada no artigo 302 da CLT.

Para além de toda a questão da interpretação da responsabilização – que já é prática no sistema judiciário – deve-se discutir a extensão do conceito dos alvos da sanção objeto do julgamento do Recurso Extraordinário.

Ou seja, em análise de caso concreto, deve ser observada a verdadeira ocorrência da prática de ato ilícito pela empresa jornalística e sim consolidar o entendimento para todos os casos que assim se assemelhem, bem como se os fatos forem expostos da maneira como se era conhecido e publicizado à época, em consonância aos documentos e informações que podem ser conferidas e checadas em comparativo às informações expostas nos autos de ação cível, ação criminal e/ou apuração do inquérito policial.

Neste contexto, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já possui entendimento pacificado da não responsabilização quando a reportagem veicula notícia verídica e de interesse público (vide julgamento da Apelação nº 1027316-31.2018.8.26.0554 e 1095052-36.2019.8.26.0100).

A extensão da discussão é inquestionável e ponto pacífico e a intenção deste informativo não é exaurir o tema, mas sim promover a discussão ponderada. A liberdade de expressão de imprensa jamais deve ser preterida sob a alegação infundada de divulgação de informações falsas, sendo que corrobora pelo desenvolvimento de jornalismo sério e responsável. A equipe Cível do Cordeiro, Lima e Advogados está à disposição para maiores esclarecimentos.

Hélio Tomba Neto – helio.tomba@cordeirolima.com.br

Suen Ribeiro Chamat – suen@cordeirolima.com.br