- Direito Público Consultivo
Há mais de três anos foi instituído no Município de Vargem Grande Paulista, Estado de São Paulo, um programa que chamou a atenção daqueles que se debruçam sobre o tema da implementação da “tarifa zero” no serviço de transporte público coletivo: o programa “Transporte para Todos”.
Criado por meio da Lei Municipal nº 1.092/2019, o intuito do programa era que o serviço, anteriormente concedido à iniciativa privada, passasse a ser prestado por meio da celebração de contratos de locação de veículos, sendo incluso em muitos deles os custos tidos com motoristas.
A modificação da forma de prestação do serviço foi resultado de estudo desenvolvido por Consultoria Especializada, então contratada pela Prefeitura (disponível neste link).
Outro objetivo do Município era custear o serviço integralmente por despesas oriundas do chamando “Fundo Municipal de Transporte”, instituído pela Lei Municipal nº 1.068/2019. As receitas do fundo adviriam de fontes diversas, tais como multas de trânsito, estacionamento rotativo, e a polêmica “Taxa de Transporte Público de Passageiros”. Com isso, aos usuários do serviço não haveria contraprestação tarifária alguma.
A hipótese de incidência, base de cálculo e alíquota da referida Taxa, foram fixadas na Lei Complementar Municipal nº 94/2019. Nela, foi posto como contribuinte “toda a pessoa jurídica instalada no Município, tendo por base o número de funcionários vinculados às pessoas jurídicas, com alíquota fixa de R$ 39,20”.
Antes mesmo do julgamento pelo Órgão Especial do TJ-SP, a partir de levantamento feito no site do Tribunal, verificou-se que mais de 20 Mandados de Segurança foram impetrados por pessoas jurídicas instaladas no Município visando a suspensão do recolhimento desse tributo.
Em todas as sentenças, publicadas majoritariamente entre junho de 2022 e janeiro de 2023, a segurança foi concedida para o reconhecimento do direito de as pessoas jurídicas, então impetrantes, não serem compelidas ao recolhimento da Taxa.
No mérito, a Juíza da Vara Única da Comarca de Vargem Grande Paulista pontuou o seu entendimento sobre a ilegalidade e inconstitucionalidade da Taxa, afirmado, em suma, que não seria possível eleger indistintamente como contribuinte toda a pessoa jurídica instalada no Município, além de entender como descabida a fixação de base de cálculo sobre o número dos funcionários vinculados a tais pessoas jurídicas.
Isto porque, conforme o entendimento expressado na sentença, não foram respeitadas as características legais do instituto jurídico de “taxa”, previstas no Código Tributário Nacional (bilateralidade, especificidade e divisibilidade).
Em sede de apelação de um dos Mandados de Segurança, em outubro de 2022, foi arguido o Incidente de Inconstitucionalidade para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo analisar a constitucionalidade da Lei Complementar Municipal nº 94/2019 (Processo nº 0040321-14.2022.8.26.0000).
Mencionado Incidente foi julgado e acolhido pelo Órgão Especial no último dia 03 de março, sendo declarada a sua inconstitucionalidade.
De acordo com as razões do Desembargador Relator Aroldo Viotti, embasados em parecer da Procuradoria-Geral da Justiça, a principal discrepância na Lei Complementar residiria no estabelecimento de contribuinte como sendo toda a pessoa jurídica sediada no Município. Segundo ele, não seria viável cobrar de uma pessoa jurídica pagamentos devidos a título de taxa, na medida em que ela não é usuária direta do serviço público de transporte coletivo.
As sentenças nos Mandados de Segurança tinham efeitos exclusivamente às respectivas impetrantes, mas o julgamento pela inconstitucionalidade da norma deve ensejar a suspensão da taxa para todos.
Trata-se de decisão extremamente recente. Por isso, ainda não estão está clara a repercussão em âmbito municipal, como, por exemplo, a viabilidade de a Prefeitura de Vargem Grande Paulista passar a subsidiar o Fundo Municipal de Transporte sem contar com o recolhimento do tributo.
Considerando a relevância e atualidade da matéria, tudo indica que ainda há muita discussão por vir, sendo interessante o seu acompanhamento.
Destacamos que há outros meios legalmente admitidos para assegurar tarifas módicas aos usuários e outras fontes de receita que podem auxiliar no custeio dos sistemas de transporte.
A equipe de Público Consultivo do Cordeiro, Lima está à disposição dos clientes para auxiliar nas discussões sobre o tema.
Victoria Andreucci Pereira Gomes Gil – victoria.andreucci@cordeirolima.com.br
Mariana de Melo Sanches – mariana.sanches@cordeirolima.com.br
Caio Cesar Figueiroa – caio@cordeirolima.com.br