- Cível e Consumidor
A sessão do Plenário do Tribunal de Contas da União, realizada no dia 08.06.22, foi marcada pela retomada de um importante debate sobre prescrição. Isso porque, após sustentação oral da defesa do então Prefeito de Várzea Grande (MT) e atual Senador pelo Mato Grosso, Jayme Campos (TC 003.911/1999-3), teve início importante discussão entre os ministros sobre a prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário.
O referido processo tem como objeto o suposto sobrepreço em contrato firmado em 1998, entre a Prefeitura de Várzea Grande e a Empresa Agrimat Engenharia, Indústria e Comércio Ltda., para a realização de obra de duplicação da passagem urbana da Rodovia BR-070, em 1998, a qual, posteriormente, foi objeto de Convênio entre o Município e o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) – extinto em 2001 por meio da Lei nº 10.233.
Em linhas gerais, o caso foi marcado por dificuldades na apuração dos valores praticados à época, principalmente considerando o largo lapso temporal e as mudanças entre a composição de preços da licitação e o que foi calculado em outro momento pelo DNER.
O Min. Relator, Vital do Rêgo, afastou a responsabilidade do ex-Prefeito por entender que sua atribuição se limitava à homologação do resultado da licitação, não cabendo a ele suspeitar dos valores calculados por técnicos especializados.
Por outro lado, em relação ao ex-chefe da divisão de construção da Diretoria de Engenharia do DNER e a empresa contratada, foi reconhecida a irregularidade praticada e aplicado o entendimento da Corte no sentido de que a pretensão de ressarcimento da União seria imprescritível, nos termos da Súmula 282 do TCU. Com fundamento no princípio da razoabilidade, afastou-se apenas os juros de mora, considerando que a demora na tramitação do processo não fora causada pelos responsáveis.
Lido o voto do Relator, a discussão sobre a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário foi levada a debate pelo Ministro Antônio Anastasia, que se revelou “incomodado” com a jurisprudência do TCU, considerando o receio causado aos agentes públicos, destacando a existência de processos com mais de 20 (vinte) anos, o que por vezes torna até mesmo inviável o levantamento de documentos.
Os ministros Jorge Oliveira, Bruno Dantas e o próprio Relator, Vital do Rêgo, disseram compartilhar do mesmo sentimento. Por outro lado, o Ministro Walton Alencar ponderou sua preocupação quanto ao erário.
Em razão da discussão, Dantas propôs novo debate sobre o tema pelo Plenário em até 45 dias, a partir das conclusões dos estudos por grupo de trabalho formado por técnicos do TCU.
Assim, a questão deve ser retomada após a conclusão da análise técnica, antes mesmo da suscitação em Plenário.
Evidentemente, a nova discussão deverá considerar os entendimentos firmados pelo STF sobre o tema nos últimos anos e pôr fim a insegurança jurídica gerada pelo atual conflito jurisprudencial entre as Cortes.
O texto constitucional que versa sobre o assunto (art. 37, §5º), já foi objeto de ao menos três Temas de Repercussão Geral.
Em 2016, através do julgamento do Tema 666, o STF fixou o entendimento de que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. Excetuando a regra, porém, em 2018, o Tema 897 considerou serem imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
Dois anos depois (2020), a questão voltou a ser debatida pela Suprema Corte no julgamento do Tema de Repercussão Geral 899, sendo fixada a tese de prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do Tribunal de Contas, no prazo previsto na Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/1980).
O principal fundamento utilizado para a fixação da tese, segundo voto do Min. Alexandre de Moraes, foi no sentido de que a imprescritibilidade fere o Estado de Direito, que exigiria “tanto no campo penal, como também na responsabilidade civil, a existência de um prazo legal para o Poder Público exercer sua pretensão punitiva, não podendo, em regra, manter indefinidamente essa possibilidade, sob pena de desrespeito ao devido processo legal.” (RE 636886, julgado em 20/04/2020, DJe-157. DIVULG 23-06-2020. PUBLIC 24-06-2020).
Parte dos ministros do TCU tem sustentado, no entanto – como forma de afastar a aplicação da tese –, que a decisão do STF não trata da prescrição de processo que tramita perante o Tribunal de Contas da União, mas, sim, da prescrição para propositura das ações de execução fundamentadas em título executivo extrajudicial constituído a partir das decisões condenatórias do TCU.
Bem verdade, as decisões recentes do STF pressionam o TCU, indiretamente, a adotar medidas capazes de tornar mais célere os processos administrativos. A tendência é que, com a eventual mudança de posicionamento e o interesse do órgão em garantir o ressarcimento ao erário, os procedimentos não mais se perpetuem.
Ilana Z. Lafer Szuvarcfuter
Mariana de Melo Sanches
Beatriz Ferreira de Jesus