• Tributário
15/maio/2019
Cordeiro
Prorrogações contratuais em concessões de serviços públicos: inovações no estado de São Paulo

No setor de transportes, cada vez mais, a prestação dos serviços cresce em complexidade. A necessidade de integrações intra e intermodais, novas demandas por gratuidades, e incrementos de novas tecnologias de pagamento são apenas exemplos de como o setor tem evoluído. Acompanhar este desenvolvimento, por sua vez, demanda equacionar os custos que, na medida que vão se avolumando, podem, no limite, tornar inviável a exploração da atividade. E nessa perspectiva, a modicidade tarifária ainda é um ponto importante.

O aumento imoderado da tarifa pública, longe de ser apenas um aspecto a ser considerado no cálculo político, causa um efeito deletério para todo o sistema de transporte público: a migração do usuário para o transporte privado. Para contornar este cenário, vários entes delegantes passaram a subsidiar diretamente o serviço, como uma forma de viabilizar a não-transferência desses custos para a tarifa pública. Daí a necessidade de o Poder Concedente assumir parte dessa conta via orçamento público.

Ocorre que a recente crise econômica que o país atravessou, cujos efeitos ainda perduram na atual conjuntura, acabam por contingenciar os já escassos recursos do Poder Público. É dizer, no atual cenário, em que subsidiar diretamente o serviço acaba sendo uma regra, como uma forma de viabilizar a exploração da atividade sem repassar estes custos aos usuários, pouco espaço resta para lidar com questões supervenientes, como a inclusão de novos investimento ou a gestão de desequilíbrios contratuais.

Ainda, a Lei Geral de Concessões datada de 1995, com mais de 20 anos, apesar de suas atualizações, não traz as soluções necessárias à manutenção da adequada prestação dos serviços. É difícil negar a evolução da interpretação da Lei Geral de Concessões a partir das novas situações de fato que são a ela submetidas, entretanto, esta não é capaz de conferir a segurança jurídica necessária nos dias de hoje para suprir os problemas de infraestrutura e mobilidade urbana do país.

Nesse contexto, objetivando a expansão da oferta e o aumento da qualidade da infraestrutura à nível federal, foram editadas as Leis Federais 13.334/2016 e 13.448/2017 – que, respectivamente, criaram o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e estabeleceram as diretrizes gerais para prorrogação e relicitação das concessões de rodovias, ferrovias e aeroportos.

Na mesma linha, no dia 24 de janeiro de 2019, foi editada a Lei Estadual Paulista nº 16.933, que estabelece “as diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria”, norma que parcialmente reproduz no âmbito estadual conceitos e instrumentos definidos a partir das Leis Federais.

Segundo a exposição de motivos constante do Projeto de Lei nº 1.132/2017, que antecedeu a edição da Lei Estadual, esta foi criada com intuito de fomentar a ampliação e o fortalecimento das parcerias entre a iniciativa privada e o Poder Público, no âmbito estadual, e a melhoria dos projetos de parcerias em curso no Estado de São Paulo.

A referida Lei Estadual Paulista possui aspectos inovadores que conferem maior segurança jurídica e flexibilidade de gestão dos contratos de parceria – definidos como “contratos de concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida pela legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volumes de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante” (art. 1º, § 2º) – para os setores de saúde, saneamento, infraestrutura e transporte (§ 1º do art. 1º).

Entre estes aspectos, a exemplo das Leis Federais, a Lei Estadual estabelece três tipos de prorrogação de contratos de parceria.

Antes de mencioná-los, façamos um breve parêntese: o instituto da prorrogação é de extrema relevância no contexto atual, pois desonera o Poder Concedente com a resolução de desequilíbrios econômico-financeiros, bem como, a amortização de novos investimentos, que passam a ser diluídos com a extensão da vigência contratual. Isso viabiliza que questões supervenientes desta estirpe sejam solucionadas sem a dependência orçamentária, quando a compensação demandar aportes do tesouro ou majoração dos subsídios, tampouco tarifária, ao evitar aumentos expressivos sobre a tarifa pública.

O instrumento da prorrogação não é novo e, inclusive, é há muito tempo legitimado pelo ordenamento jurídico. A prorrogação foi consagrada no art. 175, parágrafo único, da Constituição Federal, e, posteriormente, previsto na Lei Federal nº 8.987/1995 como cláusula essencial dos contratos de concessão de serviços públicos.  Ao assim proceder, a Lei Federal optou por remeter à legislação específica dos entes federados a disciplina das prorrogações, de modo a conciliar a peculiaridade dos serviços públicos que lhe foram constitucionalmente designados.

Com intuito de disciplinar as prorrogações de contratos de parceria em âmbito estadual, conforme apontado, o Estado de São Paulo trouxe a prorrogação contratual, a prorrogação antecipada e a extensão emergencial.

A prorrogação contratual é definida no art. 3º, inc. I, como a “alteração do prazo de vigência do contrato de parceria, realizada a critério do órgão ou da entidade competente, fundamentadamente, e de comum acordo com o contratado, em razão do término da vigência do ajuste”. Esta modalidade de prorrogação permite renovar a vigência do contrato ao final de seu prazo original, observadas demais condicionantes previstas no termo contratual.

Já a prorrogação antecipada, de acordo com o art. 3º, inc. II, é a “alteração do prazo de vigência do contrato de parceria, realizada a critério do órgão ou da entidade competente, fundamentadamente, e de comum acordo com o contratado, produzindo efeitos antes do término da vigência do ajuste”. Este tipo de prorrogação permite a antecipação de investimentos que teriam sido adiados até o final da vigência contratual original, suprindo necessidades imediatas dos usuários do serviço. Além disso, evita custos de desmobilização e mobilização por parte dos administrados contratados.

Ambas modalidades de prorrogação estão condicionadas à inclusão de novos investimentos ou à mitigação ou resolução de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato (art. 5º, parágrafo único). A única distinção entre estas modalidades é cronológica, ou seja, o momento de sua implementação.

Pela nova legislação (art. 4º, § 2º) o prazo máximo de prorrogação do contrato, em ambas modalidades – prorrogação contratual e antecipada –, está atrelado ao tempo estipulado para a amortização dos investimentos realizados ou para o reequilíbrio contratual, ainda que não conste previsão de possibilidade de prorrogação expressa no edital ou contrato.

Para além das modalidades de prorrogação antecipada e contratual, a Lei Estadual também prevê, em seu art. 16, uma terceira possibilidade de prorrogação, que não raro aflige diversos concedente quando da proximidade do termo final da concessão. Trata-se de medida que possibilita a extensão emergencial do contrato quando houver estudo ou licitação em andamento para substituição do contratado, e não haja tempo hábil para que o futuro vencedor do certame assuma o objeto antes do encerramento previsto ao contrato vigente.

De mais a mais, todas as modalidades pressupõem o caráter discricionário da decisão do Poder Concedente em relação à prorrogação, que, entretanto, restará mitigado após a elaboração obrigatória dos estudos técnicos que fundamentem a vantagem da prorrogação do contrato de parceria em detrimento de outras soluções. Ainda, tem-se, como condição de eficácia da prorrogação que se almeja, o comum acordo na celebração do termo aditivo.

Enfim, diante da complexidade dos serviços de transporte, a utilização do instituto da prorrogação mostra-se mais segura com o advento da Lei Estadual Paulista nº 16.933/2019 e confere diversas vantagens ao Poder Concedente e aos usuários, uma vez que mitiga os riscos de descontinuidade da prestação do serviço, possibilita a fruição imediata de novos investimentos, dispensa os custos e esforços em nova licitação, evita o ônus de compensar o particular por eventual indenização, entre outros. Não há dúvidas que, em nossa percepção, a Nova Legislação será de grande valia à toda sociedade.

Leonardo Cordeiro é sócio do Cordeiro, Lima e Advogados, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-professor de planejamento tributário e possui LL.M em Direito Societário pelo Insper.

Ivan Lima é sócio do Cordeiro, Lima e Advogados e mestrando em Direito Público pela FGV.