- Infraestrutura e Novos Negócios
Nosso escritório tem se dedicado a trazer apontamentos sobre os principais acontecimentos atrelados ao setor lotérico, especialmente na modalidade de apostas de quota fixa. A fim de exaurirmos a Agenda Regulatória proposta pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), o presente texto busca apresentar as informações mais recentes e relevantes divulgadas no decorrer dos meses de julho e agosto.
Vale destacar que o avanço da Agenda Regulatória coincidiu com o aumento de solicitações de autorização para exploração da modalidade de apostas de quota fixa, o que revela uma percepção de maior segurança jurídica pelo mercado frente à regulamentação proposta. Isso porque, dos 10 (dez) requerimentos protocolados até a publicação deste texto, 09 (nove) foram protocolados nos meses de julho e agosto do corrente ano.
a. Portaria estabelecendo políticas, procedimentos e controles de prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e da proliferação das armas de destruição em massa
A necessidade de previsões adequadas acerca de medidas de prevenção da utilização do sistema de apostas de quota fixa para fins ilícitos, especialmente para lavagem de dinheiro, financiamento de terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP) sempre foi objeto de preocupação pelas empresas do setor.
Em que pese o art. 8º da Lei Federal nº 14.790/2023 já estipulasse a necessidade de implementação de políticas, procedimentos e controles de PLD/FTP pelos agentes operadores de apostas, a portaria em destaque regulamenta as medidas mínimas para conferir a segurança necessária à exploração de apostas de quota fixa.
Nesse sentido, a Portaria SPA/MF nº 1.143/2024 reforça previsão que já constava na Lei de Lavagem de Dinheiro (art. 9º, § único, VI da Lei Federal nº 9.613/1998) ao determinar que os agentes operadores de apostas se habilitem no Sistema de Controle de Atividades Financeiras (SISCOAF) e mantenham atualizados seus próprios dados, assim como de seus usuários.
Os agentes operadores de apostas deverão implementar políticas internas de PLD/FTP e disponibilizá-las em seu website, abrangendo, minimamente, a definição de papéis e responsabilidades relacionadas ao cumprimento da Portaria; a identificação, análise e mitigação de riscos atrelados à utilização de novos produtos, serviços ou tecnologias para fins ilícitos; o desenvolvimento e implementação de programa de conformidade; e a realização periódica e contínua de atividades de informação e capacitação em matéria de PLD/FTP.
Ademais, anualmente, até o dia 1º de fevereiro do ano subsequente, os agentes operadores de apostas deverão encaminhar relatório à SPA contendo informações sobre as medidas adotadas para cumprimento da política de PLD/FTP.
Competirá aos agentes operadores de apostas adotar os competentes procedimentos de identificação que permitam verificar e validar a identidade de apostadores e usuários cadastrados na plataforma de apostas, devendo dispor de mecanismos que impeçam o cadastramento das pessoas impedidas de apostar.
Por fim, os agentes operadores devem implementar procedimentos para identificação de apostas que apresentem indícios de PLD/FTP ou de delitos correlatos, procedendo com detida análise dos elementos que levaram a essa classificação, devendo comunicar ao COAF quando se compreender pela procedência dos indícios de prática de atos ilícitos.
b. Portaria estabelecendo requisitos técnicos dos jogos on-line e dos estúdios de jogos ao vivo
Em 31/07/2024 foi publicada a Portaria SPA/MF nº 1.207/2024, que estabelece os requisitos técnicos que deverão ser observados pelos agentes operadores de apostas de quota fixa em relação aos jogos on-line e aos estúdios de jogos ao vivo.
De início, vale ressaltar que esta Portaria não revoga ou altera a necessidade de observância aos requisitos já definidos, de forma geral, na Portaria nº 722/2024 (Confira nossa análise sobre a Portaria nº 722/2024). Em verdade, os requisitos fixados na Portaria SPA/MF nº 1.207/2024 se dirigem especificamente aos jogos on-line e aos estúdios de jogos ao vivo e devem ser compreendidos como complementares aos requisitos estipulados na Portaria SPA/MF nº 722/2024.
De forma geral, a Portaria retoma algumas questões já antecipadas em outras Portarias, ou mesmo previstas na Lei. É o caso, por exemplo, da exigência de que os jogos on-line e os estúdios de jogos ao vivo sejam certificados por entidade certificadora com capacidade operacional reconhecida pela SPA, nos termos da Portaria MF-SPA/MF nº 300/2024. (Confira aqui)
Da mesma forma, a Portaria reforça a vedação de comercialização de apostas em jogos on-line em estabelecimentos físicos, mesmo que mediante utilização de equipamentos e/ou dispositivos de qualquer gênero, como já especificava o art. 14, parágrafos 2º e 3º da Lei Federal nº 14.790/2023.
A Portaria conta com três anexos, sendo o primeiro deles destinado ao estabelecimento de regras gerais acerca dos jogos on-line e estipulação de requisitos específicos para jogos on-line que permitam apostas múltiplas, jogos de linha, jogos de colisão (crash), jogos de carta, blackjack, roleta, dados, esporte ou corridas e sorteio de bolas e números.
O mesmo anexo trata sobre o Retorno ao Apostador (RTP), prevendo que o software de percentual de pagamento de cada jogo deve, teoricamente, pagar ao apostador um RTP mínimo de 85% (oitenta e cinco por cento) durante sua vida útil esperada e que a probabilidade de ganhar o maior prêmio anunciado, que se baseia exclusivamente na aleatoriedade, deve se concretizar pelo menos uma vez em cem milhões de jogadas.
O Anexo II apresenta os requisitos específicos para os estúdios de jogos ao vivo, ao passo que o Anexo III corresponde a um Glossário para compreensão dos termos utilizados.
c. Procedimentos para repasse das destinações dos valores arrecadados com as apostas de quota fixa
Ainda em 31/07/2024 foi publicada a Portaria SPA/MF nº 1.212/2024, estabelecendo os procedimentos que deverão ser observados para repasse do produto decorrente da comercialização de apostas de quota fixa.
Conforme disposto na Portaria em comento, os repasses deverão ser feitos para a Conta Única do Tesouro Nacional mediante recolhimento por Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF). Além disso, são estabelecidos os códigos para recolhimento de cada repasse, sendo de responsabilidade do agente operador de apostas a correta indicação destes códigos.
Todas as modalidades de apostas de quota fixa, comercializadas de forma física ou virtual e que tenham por objeto eventos reais de temática esportiva ou jogos on-line, deverão ser consideradas para repasse de suas respectivas destinações.
Ademais, os agentes operadores de apostas de estão sujeitos à responsabilização cível, administrativa e criminal acaso não repassem as receitas devidas.
Por fim, restou estipulado que os valores prescritos, ou seja, aqueles valores não creditados na conta gráfica do apostador e não reclamados no prazo de 90 (noventa) dias contados da divulgação do resultado do evento objeto da aposta, deverão ser recolhidos à Conta Única do Tesouro Nacional, devendo ser observado em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
d. Monitoramento e fiscalização da exploração das apostas de quota fixa e dos agentes operadores de apostas
A Portaria SPA/MF nº 1.225/2024, publicada em 01/08/2024, estabelece regulamentação para as atividades de monitoramento e fiscalização da exploração da modalidade lotérica de apostas de quota fixa e dos agentes operadores de apostas. Tais atividades terão abrangência nacional e competem à SPA, em observância à competência fiscalizatória que lhe fora atribuída.
O monitoramento deverá ser realizado de forma contínua e sistemática pela SPA, para acompanhar e analisar se a conduta dos agentes operadores de apostas está adequada às normas legais e regulamentares, bem como para avaliar a eficácia e efetividade da sistemática adotada pelos agentes operadores para identificação, avaliação e mitigação dos riscos que ameacem o regular funcionamento das apostas.
A fiscalização das atividades atreladas à exploração da modalidade lotérica de apostas de quota fixa e dos agentes operadores de apostas será realizada de forma programada, de ofício ou por determinação judicial.
A fiscalização deverá ser registrada no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), gerando, ao final, um relatório contendo os encaminhamentos propostos em decorrência dos atos e fatos constatados. Este relatório será submetido ao Subsecretário de Monitoramento e Fiscalização da SPA, que decidirá por seu arquivamento, pela imposição de medidas preventivas ou corretivas, ou pela instauração de processo administrativo sancionador.
Por fim, restou destacada a possibilidade de aplicação de medidas cautelares para determinar a desativação temporária de instrumentos destinados ao funcionamento de máquinas e instalações, suspensão de pagamento de prêmios, recolhimento de bilhetes emitidos, ou outras providências necessárias para proteção do bem jurídico tutelado.
e. Regulamentação do regime sancionador
Quase como uma continuidade à Portaria destacada acima, em 01/08/2024 também foi publicada a Portaria nº 1.233/2024, prevendo a regulamentação para o regime sancionador decorrente da atividade fiscalizatória de competência da SPA.
O processo administrativo sancionador será instaurado, instruído e analisado pela Subsecretaria de Monitoramento e Fiscalização da SPA, posteriormente sendo remetido à Subsecretaria de Ação Sancionadora da SPA para decisão em primeira instância.
A decisão administrativa em primeira instância determinará a aplicação de penalidade administrativa ou o arquivamento do processo, cabendo recurso a ser apresentado no prazo de 10 (dez) dias. Ao recurso administrativo interposto poderá ser concedido efeito suspensivo.
A constatação de infrações sujeita os responsáveis à aplicação das penalidades de advertência, multa, suspensão parcial ou total do exercício de suas atividades, cassação da autorização para exploração de apostas de quota fixa, proibição de obter nova autorização ou ato análogo, proibição de participar de licitação, proibição de realizar determinadas atividades/modalidades de operação e inabilitação para atuar em empresas que atue na exploração de qualquer modalidade lotérica.
Previamente à tomada de decisão em primeira instância, o interessado poderá firmar termo de compromisso em que se obrigue, de forma cumulativa, a cessar a prática ou os efeitos lesivos da atividade investigada, corrigir as irregularidades apontadas e indenizar os prejuízos, além de cumprir com demais condições acordadas, com obrigatório recolhimento de contribuição pecuniária à conta única do Tesouro Nacional.
f. Regras e diretrizes para o jogo para o jogo responsável e para ações de publicidade e estabelecimento de direitos e deveres dos apostadores e dos agentes operadores
Também em 01/08/2024 foi publicada a Portaria SPA/MF nº 1.231/20024, que estabelece as diretrizes para o jogo responsável e para as ações de publicidade atreladas à exploração da modalidade lotérica de apostas de quota fixa, além de estabelecer os direitos e deveres dos apostadores e agentes operadores.
O jogo responsável pode ser caracterizado como o conjunto de práticas e atividades voltados a assegurar a exploração econômica, promoção e publicidade saudável e socialmente responsável desta modalidade, bem como a prevenção e mitigação de malefícios individuais ou coletivos, incluindo consequências à saúde física ou mental do apostador.
Nesse sentido, a Portaria determina a implementação, pelos agentes operadores de medidas e sistemas voltados para assegurar a observância da proibição de apostas por menores de 18 (dezoito) anos, conscientizar sobre os riscos de transtornos do jogo patológico e elaborar política de jogo responsável que reflita o funcionamento do sistema de apostas.
Os sistemas de apostas deverão assegurar ao apostador a adoção de limite prudencial de apostas, a programação de alertas ou bloqueios de uso e solicitação de autoexclusão por prazo determinado ou de forma definitiva. Eventuais pedidos de alteração destes fatores apenas poderão ser implementados após 24 (vinte e quatro) horas contadas da solicitação formulada.
Ademais, a Portaria em análise estipulou que as ações de comunicação, publicidade, propaganda e marketing da modalidade lotérica de apostas de quota fixa devem ser pautadas pela responsabilidade social e conscientização do jogo responsável, destacando-se as seguintes vedações para ações publicitárias:
- Sugestão de obtenção de ganho fácil ou associação à ideia de sucesso ou aptidões extraordinárias a apostas;
- Apresentação de aposta como socialmente atraente ou contendo afirmações proferidas por personalidades conhecidas/celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal, social ou para melhoria das condições financeiras;
- Estabelecimento de relação entre apostas e o sucesso pessoal e financeiro;
- Veiculação de afirmações enganosas sobre a possibilidade de ganho;
- Vinculação das apostas de quota fixa a meio de recuperação de perdas financeiras;
- Incluir a participação de pessoa que tenha ou aparente ter menos de 18 (dezoito) anos ou que tenha crianças e adolescentes como público-alvo; e
- Veiculação em locais de atendimento médico e psicológico, ou em locais destinados a todos os níveis de ensino ou destinados à frequência de menores de 18 (dezoito) anos.
Além das vedações impostas, restou consagrado que todas as ações de publicidade deverão exibir cláusulas de advertência acerca da restrição etária e sobre os riscos associados de dependência e de transtornos do jogo patológico.
A Portaria também destaca que as diretrizes fixadas para ações promocionais, de patrocínio, de merchandising e de publicidade poderão ser objeto de previsão em código de autorregulamentação da publicidade.
A esse respeito, é importante destacarmos o Anexo X – Apostas do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária elaborado pelo CONAR, que recentemente embasou a sustação de duas propagandas por este órgão em razão da promessa de renda extra de forma fácil.
As empresas atuantes no setor também ganharam destaque recentemente por meio do patrocínio a diversos clubes e campeonatos de futebol. Sobre esse tema, restou definido que apenas as empresas devidamente autorizadas pela SPA poderão patrocinar equipe desportiva nacional em eventos de divulgação nacional.
Por sua vez, empresas autorizadas pelos Estados e pelo Distrito Federal poderão patrocinar equipe desportiva nacional desde que a publicidade ou o patrocínio estejam restritos às pessoas fisicamente localizadas ou domiciliadas em sua territorialidade.
A Portaria também apresentou direitos e deveres dos apostadores e dos agentes operadores de apostas, especialmente para assegurar as diretrizes de jogo responsável, correta identificação dos apostadores e devido pagamento dos valores devidos.
A equipe de Infraestrutura e Novos Negócios do Cordeiro, Lima e Advogados continuará acompanhando os novos andamentos deste tema e se coloca à disposição para maiores esclarecimentos.
Caio Figueiroa – caio@cordeirolima.com.br
Isabella Vegro isabella@cordeirolima.com.br
Eduardo Mendonça da Cruz – eduardo.cruz@cordeirolima.com.br