- Resolução de Controvérsias
Durante a sessão de julgamento realizada no dia 02/09/2024, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou, no acórdão de relatoria do Ministro Gurgel de Faria, a impossibilidade de se presumir o dano ao erário advindo de ato ímprobo, em atenção à nova disposição do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa.
Como fundamento, apontou-se que a nova redação do art. 10 da LIA passou a prever expressamente a indispensável comprovação do dano ao erário, porquanto “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei […]”.
Antes das alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 à Lei de Improbidade Administrativa, a jurisprudência do STJ considerava como presumido o dano ao erário nos casos em que o ato ímprobo se constituía na fraude à licitude do processo licitatório ou na sua dispensa indevida.
Tal presunção se pautava na concepção de que o prejuízo era compreendido pela própria impossibilidade de a Administração Pública realizar a contratação com base na melhor proposta, o que, inclusive, ensejou a afetação da matéria sob o Tema Repetitivo nº 1.096, que estava, até então, delimitado da seguinte forma: “definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário”.
Com a superveniência da Lei nº 14.230/2021, a 1ª Turma do STJ, por unanimidade, na sessão de julgamento realizada em 22/02/2024, cancelou o referido Tema, reestabelecendo o prosseguimento dos recursos especiais anteriormente afetados.
Nesse sentido, destaca-se que a imperiosidade da demonstração de dano ao erário, quando se tratar de conduta ímproba tipificada pelo art. 10 da LIA, decorre de uma outra alteração também promovida pelo legislador: a necessidade de comprovação do elemento subjetivo da conduta, isto é, o dolo específico.
Com efeito, não basta mais a isolada voluntariedade do agente para a configuração do ato ímprobo, pois deve-se demonstrar expressamente a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA.
Essa inovação surge, também, como uma consequência da inegável aproximação da LIA ao direito administrativo sancionador, conforme disposto no art. 1º, §4º da LIA, cuja finalidade é tutelar, mais rigidamente, os princípios e, em especial, a moralidade da Administração Pública.
Assim, tão somente a presença de ilegalidade (neste caso, a fraude à licitude da licitação ou sua dispensa indevida) não é causa suficiente para caracterizar conduta ímproba, devendo estar cabalmente comprovado o efetivo dano causado ao erário.
No mais, ressalta-se que esta análise se restringe à caracterização das condutas de improbidade administrativa, não estando afastadas as demais responsabilidades cíveis e penais cabíveis.
Por fim, restou assentado no acórdão que os processos ainda em curso, que apresentem como objeto a existência ou não de prejuízo presumido ao erário, devem ser solucionados com a imposição das mudanças trazidas pela nova LIA, ou seja, com a prévia demonstração de dano efetivo, para que se caracterize o ato ímprobo.
A essa conclusão fez-se ressalva ao Tema nº 1.199 do Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu as hipóteses de retroatividade da nova LIA, uma vez que o tema em discussão no STJ não diz respeito à regressão da lei mais benéfica, mas, sim, ao dever do Poder Judiciário em aplicar o que foi estabelecido pelo legislador em detrimento de sua jurisprudência anteriormente construída para solucionar controvérsia judicial decorrente da omissão legislativa.
Jéssica Teles e Sarah Picchi.