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31/jan/2025
Cordeiro
Utilização de mecanismo de contas vinculadas em contratos de concessão em discussão perante o TCU

A sustentabilidade econômica dos contratos de longo prazo ao longo de sua vigência suscita diversas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, especialmente quando tratamos de concessões e parcerias público-privadas. Nesse sentido, é notório o avanço do Estado na adoção de mecanismos adequados para enfrentamento destas discussões.

Um destes mecanismos corresponde à adoção de sistema contas vinculadas, com o intuito de assegurar o exíguo cumprimento do contrato durante sua vigência, inclusive para otimização das formas de recomposição da equação econômico-financeira avençada.

Embora esse mecanismo venha sendo utilizado em múltiplos projetos nos mais diversos entes federativos, recentemente o posicionamento do Min. Walton Alencar Rodrigues, do Tribunal de Contas da União (“TCU”), colocou em risco a continuidade de sua utilização.

Isso porque, em voto proferido no processo que apreciou os estudos pare relicitação da BR-040/DF/GO/MG, o Ministro manifestou sua preocupação em relação ao mecanismo adotado pela ANTT, pois, em seu entendimento, haveria “mistura de receitas da concessão (recursos privados obtidos com a exploração da concessão) com valores que deveriam ser pagos ao poder concedente (receita pública decorrente da outorga da concessão)”, bem como por inexistir base legal para que os valores devidos à título de outorga sejam depositados em contas vinculadas.

Diante disso, foi instaurado processo específico em trâmite perante o TCU para aprofundamento sobre esta discussão.

Após, o Min. Walton Alencar Rodrigues figurou como relator dos processos sobre a concessão do Porto Organizado de São Sebastião/SP e de Itajaí/SC, sendo retomada a discussão sobre o mecanismo de contas vinculadas. A Corte de Contas determinou, nos respectivos Acórdãos, a exclusão destes mecanismos dos referidos contratos.

Ainda no âmbito do TCU, as questões suscitadas nos julgamentos previamente mencionados foram objeto de auditoria, oportunidade em que se procedeu com análise detalhada do mecanismo de contas vinculadas em concessões rodoviárias e portuárias. Referida auditoria destacou 5 (cinco) pontos críticos que colocam em xeque a legalidade e constitucionalidade do mecanismo, sendo eles:

  • Reserva e depósito em conta vinculada de parte dos recursos que seriam auferidos pelo Poder Concedente a título de outorga, em suposta afronta aos princípios da Universalidade e da Unidade Orçamentária;
  • Utilização automática dos recursos dispostos na(s) conta(s) vinculada(s) para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro em favor da concessionária, em possível dissonância à programação de despesas orçamentárias autorizadas pelo Congresso Nacional;
  • Confusão patrimonial em decorrência da mistura de recursos provenientes da concessão e de recursos que deveriam ser auferidos pelo Poder Concedente a título de outorga;
  • Previsão de depósito dos recursos vinculados à concessão em conta bancária diversa da Conta Única do Tesouro Nacional, em contrariedade ao princípio da Unidade de Caixa;
  • Atribuição de propriedade dos recursos depositados na(s) conta(s) vinculada(s) à concessionária, sem integrar o patrimônio do Poder Concedente, em possível afronta ao princípio do equilíbrio econômico-financeiro da concessão e caracterização de enriquecimento sem causa.

Vale destacar, ademais, que a discussão em voga não se restringe aos setores rodoviário e portuário, embora estes tenham integrado o objeto da análise promovida pelo TCU, podendo afetar outros projetos que se valham do mesmo mecanismo.

Provocada pelo TCU, recentemente a Advocacia-Geral da União (“AGU”) emitiu parecer jurídico reforçando a legalidade do mecanismo de contas vinculadas adotado em concessões federais. Embora os projetos de concessão dos portos organizados não tenham prosseguido, a fim de demonstrar não apenas a legalidade do mecanismo, como também sua importância para os projetos nacionais de infraestrutura, a AGU procedeu com uma análise pormenorizada atrelada ao mecanismo de contas vinculadas adotado nas concessões rodoviárias federais, sem prejuízo de sua possível adaptação para outros contextos.

A AGU expôs sobre a origem e evolução da utilização do mecanismo de contas vinculadas, destacando, inclusive, sua análise e convalidação pretérita pelo próprio TCU em diversas ocasiões, bem como sua recepção positiva pelos agentes de mercado.

Foi destacada, ademais, a vantajosidade da autossustentabilidade destes projetos, de forma que, ao assegurar a manutenção dos recursos neles gerados dentro do próprio escopo da concessão, é possível promover a modicidade tarifária e otimizar os benefícios propiciados aos usuários.

Nesse mesmo sentido, a adoção do mecanismo de conta vinculada propicia uma gestão mais eficiente das diversas variáveis que impactam o equilíbrio econômico-financeiro das concessões ao longo de sua vigência, como por exemplo flutuações cambiais, oscilações de demanda, aumentos imprevistos e desproporcional no preço de insumos e necessidade de investimentos supervenientes.

Assim, a AGU caracteriza o objetivo deste mecanismo como “a criação de um colchão de liquidez para a absorção de impactos financeiros decorrentes de eventos previstos contratualmente” e que impactem a equação econômico-financeira da concessão.

Desta forma, sustenta que a segregação destes valores visa assegurar justamente sua disponibilidade para suportar tais impactos, evitando sua utilização para outros fins e atribuindo maior segurança e previsibilidade sobre os fluxos financeiros da concessão, além de permitir uma resposta mais ágil e eficaz quando necessário.

Além disso, a previsão de regras claras para utilização dos recursos é caracterizada como mitigadora à incerteza sobre a disponibilidade de recursos para suportar futuras necessidades de reequilíbrio econômico-financeiro, proporcionando maior atratividade a potenciais licitantes e financiadores.

Por fim, em seu parecer, a AGU manifestou-se pela inaplicabilidade dos princípios da princípios da Universalidade e da Unidade Orçamentária, uma vez que os recursos atrelados à(s) conta(s) vinculada(s) são de natureza privada e dotados de natureza jurídica de bens reversíveis, não se confundindo, assim, com os valores devidos à título de outorga.

Nesse sentido, conclui a AGU afirmando que o mecanismo de conta vinculada consiste em encargo contratual que se pauta no poder discricionário da Administração para modelagem da respectiva delegação, desenvolvida para assegurar sua sustentabilidade, razão pela qual não se confunde com outorga que tem como finalidade contrapartida pela utilização do ativo.

O entendimento da AGU assim, diverge do atual posicionamento manifestado pelo Min. Walton Alencar Rodrigues e que foi adotado pelo TCU na análise das recentes concessões de portos organizados. Desta forma, diante da relevância do mecanismo de contas vinculadas para a sustentabilidade das concessões e parcerias público-privadas, trata-se de questão essencial a ser deliberada pela Corte de Contas e que poderá causar consideráveis impactos para modelagens posteriores.

A equipe de Infraestrutura e Novos Negócios do Cordeiro, Lima e Advogados continuará acompanhando os novos andamentos deste tema e se coloca à disposição para maiores esclarecimentos.

Caio Figueiroa – caio@cordeirolima.com.br

Isabella Vegro – isabella@cordeirolima.com.br

Eduardo Mendonça da Cruz – eduardo.cruz@cordeirolima.com.br